sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Nosso Tempo

(Carlos Drummond de Andrade)

I

Esse é tempo de partido,
tempo de homens partidos.


Em vão percorremos volumes,
viajamos e nos colorimos.
A hora pressentida esmigalha-se em pó na rua.
Os homens pedem carne. Fogo. Sapatos.
As leis não bastam. Os lírios não nascem
da lei. Meu nome é tumulto, e escreve-se
na pedra.


Visito os fatos, não te encontro.
Onde te ocultas, precária síntese,
penhor de meu sono, luz
dormindo acesa na varanda?
Miúdas certezas de empréstimos, nenhum beijo
sobe ao ombro para contar-me
a cidade dos homens completos.


Calo-me, espero, decifro.
As coisas talvez melhorem.
São tão fortes as coisas!
Mas eu não sou as coisas e me revolto.
Tenho palavras em mim buscando canal,
são roucas e duras,
irritadas, enérgicas,
comprimidas há tanto tempo,
perderam o sentido, apenas querem explodir.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

O ACENDEDOR DE LAMPIÕES

(Jorge de Lima)

Lá vem o acendedor de lampiões de rua!
Este mesmo que vem, infatigavelmente,
Parodiar o Sol e associar-se à lua
Quando a sobra da noite enegrece o poente.

Um, dois, três lampiões, acende e continua
Outros mais a acender imperturbavelmente,
À medida que a noite, aos poucos, se acentua
E a palidez da lua apenas se pressente.

Triste ironia atroz que o senso humano irrita:
Ele, que doira a noite e ilumina a cidade,
Talvez não tenha luz na choupana em que habita.

Tanta gente também nos outros insinua
Crenças, religiões, amor, felicidade
Como este acendedor de lampiões de rua!

sábado, 1 de outubro de 2011

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Astrologia

(Mário Quintana)

Minha estrela não é a de Belém:
A que, parada, aguarda o peregrino.
Sem importar-se com qualquer destino
A minha estrela vai seguindo além...

- Meu Deus, o que é que esse menino tem?
Já suspeitavam desde eu pequenino.
O que eu tenho? É uma estrela em desatino...
E nos desentendemos muito bem!

E quando tudo parecia a esmo
E nesses descaminhos me perdia
Encontrei muitas vezes a mim mesmo...

Eu temo é uma traição do instinto
Que me liberte, por acaso, um dia
Deste velho e encantado Labirinto.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Talvez

Todo novo dia, chamas são acesas em um novo coração, enquanto outras são apagadas na mesma proporção... A uns cabe reacendê-las, fazer sonhar tudo de novo, como se nada tivesse sido feito, nada ainda tivesse sido começado... Mas o mesmo coração que hoje sonha, amanhã será um coração que morre: os homens nascem e morrem todos os dias – triste constatação... E, todos os dias, alguns parecem não ter nascido para viver, enquanto outros, mesmo morrendo, quereriam ter apenas mais uma chance, só mais uma chance. E se assim fosse? Se àquele que morre uma outra oportunidade lhe fosse concedida, será que viveria cada dia como se fosse o último? O ser humano se resume no talvez, pois quem fez o seu coração dele não deixou um mapa de caminhos retilíneos; apenas nele insuflou um caminho incerto: o sonho... A única senda que une ímpios e justos na amarga lida de vivermos, diuturnamente, da mais pura intenção.

domingo, 8 de maio de 2011

Etiqueta

O hoje foi deixado para amanhã,
Mesmo que não fosse chegada a hora.
É pressentida a inexatidão do medido:
Não se tem em conta o que ficou,
Só o que foi esquecido permanece.

De um lado, uma procissão;
De outro, o beijo chega fugidio,
Porque o amor se quer em outros olhos.
À frente, ruídos de inauguração.
Atrás... O que ficou para trás?

O aceno da criança pedia um reencontro,
Mas ela mesma não compareceu ao dia marcado.
Quando se viu no espelho,
Lembrou-se daquele momento esquecido
Num dia em que o retorno lhe era negado.

sábado, 16 de abril de 2011

E como fica o nosso futuro?

Parece ser consenso entre as pessoas que os jovens são o futuro da sociedade. Por mais que esse ideal assente quase que numa espécie de perspectiva ritualística, já que todo processo social de transmissão de nossos costumes, tradições e conhecimentos, começa desde cedo com a socialização das crianças e dos jovens para futuramente assumirem posições na sociedade, não é sem certa razão que se pode dizer que ele parece estar ficando distante de uma concretização. A sensação que dá é que cada vez mais nossos jovens estão se tornando incapazes de assumir compromissos perante a sociedade.



Esta última afirmação parece exagerada; quem sabe, um tanto moralista demais, ou ainda um velho dilema histórico. Talvez dizer que seja um velho dilema histórico, seja o mesmo que dizer que o exagero venha do moralismo inveterado nas gerações precedentes, pois desde sempre a juventude representou uma forma de ruptura para com o passado ou com as normas e regras das gerações anteriores. Todavia, acredito que as novas gerações estão encontrando cada vez mais formas de rupturas que não representam um ideal de mudança para com os problemas advindos do passado, como o representaram gerações como a dos poetas românticos inconformados com a nova realidade social ou como os jovens esquerdistas que se opunham ao autoritarismo do governo. Não! A maioria de nossos jovens de hoje parece não sonhar com um futuro melhor, não possui ideais, não quer saber de mudanças na estrutura da sociedade; simplesmente querem uma vida sem compromissos e regada ao sabor de festas, da embriaguez e da alienação provocada por entorpecentes.



O mais assustador de tudo isso é que toda essa alienação começa cedo, muito cedo, demonstrando o fato de que muitos deles sequer têm consciência do que estão fazendo, se é que se pode falar em ter consciência quando o assunto é, principalmente, a alienação provocada por entorpecentes. Este ponto, em particular, é que parece contrapor a ideia de que a preocupação com os jovens é um velho dilema histórico. Se antes a ruptura para com o passado representava mais um “atentado” contra a moral da época ou contra a estrutura social vigente, hoje, os entorpecentes parecem apenas representar, por um lado, um atentado contra a própria vida e, por outro, contra a existência humana, no sentido de uma existência que se tornou insípida, sem sentido. Ela parece ter se tornado um peso para nossos jovens; e os entorpecentes parecem ter se tornado uma forma de se suicidar aos poucos.



A sensação, exagerando o argumento, é a de que os entorpecentes vieram para preencher o espaço antes ocupado pela “adrenalina”, pela expectativa de se lutar por algo, o que sempre foi uma peculiaridade da juventude; nesse sentido, parece que a história em algum momento retirou de cena os ideais de mudança e em seu lugar deu aos jovens algo para preencher este vazio. É como se a “história” tivesse deixado de ser contada a eles; isso se observa pela indiferença com que eles tratam o passado da humanidade.



A explicação mais geral desse fato pode ser encontrada na forma imediatista das relações sociais, sobretudo, quando a ressignificação dos processos culturais é mediada pelo consumismo exacerbado. O acesso a diversos bens de consumo tornou-se o símbolo imediato de uma participação mais ampla da vida social; porém, a sensação de participar dela é sempre passageira, obrigando o consumidor a ter uma constante renovação de seus bens materiais para continuar tendo a sensação de fazer parte do grande banquete, em que, infelizmente, o ato de querer se saciar (o ato de consumir) torna o conviva mais insatisfeito.



Nesse sentido, uma sociedade que oferece, de um lado, mecanismos culturais de ressignificação da pessoa humana através do imediatismo do consumo, por outro lado, não oferece situações para que se construa uma percepção diferenciada da própria existência – e aqui estão os nossos jovens... A insatisfação se torna a ordem do dia e o consolo não advém de outras formas senão por outras vias também imediatistas. Diante disso, o prazer de viver se torna cada vez mais difícil de ser alcançado, sobretudo, porque o futuro não importa e, sim, somente o momento presente. O problema é que quem não se importa com o futuro, obviamente nele não se projeta. Assim, se não se constrói uma vida, na qual o indivíduo possa se ver no porvir, a vida não importa, não passa a fazer sentido; de que forma então se vive o presente? Alienado, embriagado, entorpecido...

quinta-feira, 31 de março de 2011


Há muitos detalhes da vida que precisam ser redescobertos, vistos e apreciados em sua beleza original...