sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

Quando se acredita que é preciso acreditar

Pela primeira vez na história da humanidade, as crenças em geral estão deixando de ser um fato indiscutível para aqueles que crêem para se tornar um fato consciente, ou seja, acreditar tornou algo a ser perseguido e não mais algo que precederia o ser humano em suas convicções.
Sabe-se que as pessoas comuns, aquelas que não têm ou tiveram alguma oportunidade de ampliar seu horizonte intelectual, se apegam às suas crenças, superstições, rituais, fantasias etc., e que isso está muito longe de ser banido das representações coletivas de nossa sociedade. Também é provável que sejam pouquíssimas pessoas estudiosas que se limitem a um tipo de relação com o mundo ao redor de forma concreta/utilitarista. Entretanto, cada vez mais os indivíduos estão se dando conta de que acreditar em algo é um fato que deve ser atingido por alguma razão, porque se acredita que uma pessoa sem crença, ou o que chamam “ilusão” num sentido positivo, perde o sentido de sua existência. A consciência de que é necessário acreditar em algo é um fato inédito.
Antes de algumas poucas décadas atrás, as sociedades estavam organizadas de uma forma mais simples, quando dispunham de mecanismos sociais menos complexos para se atingir certos objetivos. De modo abrangente, o indivíduo de outrora tinha plena certeza, e uma certeza inconsciente, de que suas ações deveriam ser aquelas que correspondessem às suas convicções desde que ele percorresse o caminho estabelecido pelos mecanismos sociais ou os meios que determinavam a posição do indivíduo na sociedade. Junta-se a isso o fato de o tipo ou os tipos de crenças de épocas passadas fundamentarem as ações praticadas pelos indivíduos. Hoje, no entanto, está ocorrendo uma diversificação cada vez mais acentuada das crenças, porque de certa forma isso reflete o estado de incerteza de nossa sociedade devido à diversidade de caminhos que se pode trilhar sem, todavia, ter certeza de onde será possível chegar. Por essa razão, o fato de não se ter uma realidade favorável ao indivíduo, por ser absurdamente complexa, a necessidade de especular algum tipo de crença tornou-se uma das regras modernas – cada vez mais aparecem aqui e acolá seitas, sincretismos, vertentes religiosas e filosóficas que procuram responder às angústias humanas, só que geralmente com caráter extremamente passageiro: elas não conseguem dar sentido contínuo à vida moderna, dinâmica, mutável e incerta. Isso ainda quando as pessoas procuram um lugar que expresse um sentimento coletivo; em geral, as pessoas estão formulando para si receitas espirituais que tem como pano de fundo o individualismo que está sendo disseminado pela nossa sociedade. O efeito negativo disso é que, enquanto uma crença, por expressar sentimentos coletivos, possui o duplo sentido de fundamentar as ações individuais e de dar significado a elas, especular aquilo em que se deve acreditar denota uma sociedade cujas crenças estão esvaziadas de sentido e, portanto, de solidariedade, porque não mais fundamentam os caminhos que devem ser trilhados pelas pessoas de modo conjunto; por isso, o indivíduo está se vendo na difícil situação de ter de encontrar algum tipo de resposta, e uma resposta pessoal, que dê sentido a suas ações ao mesmo tempo em que começa a questionar se a resposta ou a crença encontrada de fato vale o sacrifício do tipo de vida que tem levado. Ou seja, acredita-se que é preciso acreditar em algo que possa dar sentido a sua vida, mas com uma convicção já abalada de antemão. Esse fato reflete um estado de incerteza latente a uma sociedade que tem distanciado os indivíduos que a constituem pela simples razão de não viabilizar princípios norteadores de ações solidárias e mecanismos concretos, mais fáceis de serem percebidos para que sejam os guias das ações humanas.
A esperança que fica é que as especulações a respeito da necessidade de acreditar em algo leve as pessoas a questionar a razão pela qual chegamos a uma tal situação e que, assim, novos tipos de relações sociais comecem a ser construídos.